A sociedade se compõe de estruturas e mecanismos sociais que regem o seu comportamento ao longo da história. O que permite com que uma estrutura se mantenha firme são os mecanismos de suas engrenagens. E o que vem a ser mecanismos? Tanto na vida social como nas profundezas da vida psíquica somos movidos por mecanismos. Mecanismos são modos de funcionamento que seguem um padrão, se repetem e podem modificar-se, porém, muito lentamente. Tão lentamente, que parecem imutáveis.
Jon Elster, filósofo e cientista social contemporâneo norueguês tenta explicar os fenômenos sociais através de seus mecanismos e mudanças que envolvem os indivíduos que compõem um determinado grupo, com suas propriedades, suas crenças, seus valores e, consequentemente suas ações.
As estruturas sociais apresentam-se verticalizadas como podemos representá-las metaforicamente semelhantes às múltiplas camadas geológicas de um grande canyon; elas vão se sobrepondo por milhares de anos de tal forma que se torna impossível inverter a ordem das camadas, embora a paisagem possa modificar-se com a ação de fenômenos naturais ou sob a interferência humana. Jon Elster, teórico preocupado em explicar o fenômeno social, dá uma atenção especial ao papel das normas e valores que estão na base da motivação, dos interesses e das escolhas individuais, incluindo o papel das emoções. Segundo Elster, as emoções são negligenciadas nas ciências sociais contemporâneas. Mas como incluir as emoções em uma ciência, se emoção é tudo o que se imagina de imprevisível e irracional, e, que, portanto, não pode vir a ser incluído em uma lei científica?
Segundo Elster as emoções podem até incluir algo de racionalidade quando estudamos o que motiva uma pessoa a fazer as escolhas que faz, o que motiva seus interesses e suas condutas O que do social contamina o indivíduo e quais aspectos individuais se fortalecem na interação grupal? A psicologia de grupos e a psicanálise apresentam elementos teóricos para este debate.
Sem dúvida, a verticalização do social interfere nas escolhas individuais, nos horizontes que podem ser almejados, nos olhares que cada pessoa lança individualmente em relação ao seu projeto de vida e às suas crenças dentro do universo da cultura. Tais horizontes eclodem da inter relação complexa entre o social, o cultural e o individual desde a estrutura primária micro social que se revela na dinâmica familiar, desde que os seus integrantes comportam uma estrutura comprometida com o macrossocial.
É no seio da família que um indivíduo se constitui como pessoa e cidadão e constrói sua personalidade, seus mecanismos de ação e reação, suas defesas, seus valores e crenças. Estes são alguns elementos fundamentais que vão permitir com que o indivíduo se insira nas estruturas verticais sociais humanas, com suas hierarquias e relações de poder, que vão organizar suas metas, suas intenções e suas projeções de vida. Um indivíduo resulta desta complexidade de interações e mecanismos que se iniciam desde o momento que um casal espera um bebê. Este, ao nascer já está amparado por uma estrutura macro e microssocial, já ocupa um lugar ideal no imaginário familiar e já carrega os laços e as heranças socioculturais das crenças e valores da família de origem.
Partindo-se das relações familiares, as possibilidades de interação eu/outro estendem-se para o social mais amplo à medida que o indivíduo alcança o amadurecimento físico, biológico, psíquico e social. Se este processo de escolhas individuais que regem os desejos e ações humanas pode ser compreendido de maneira mais ou menos racional, devemos lançar mão também das teorias do funcionamento mental humano que incluem a interação de dois níveis do pensamento, o consciente e o inconsciente. Os mecanismos inconscientes encontram-se como que submersos, porém compõem a base da estrutura mental do sujeito, o qual, da mesma forma como o fenômeno social, também se apóia nos mecanismos que os sustentam.
Entre a abordagem da psicanálise e a abordagem sistêmica encontramos um ponto em comum: a psicanálise estuda os mecanismos inconscientes do funcionamento mental e a teoria sistêmica familiar estuda os mecanismos que regem os sistemas familiares, porém, ambas enfocam que a estrutura do ser está inserida e profundamente marcada pelo seu contexto histórico, social e cultural.
Quando emitimos opiniões, estabelecemos metas, investimos em uma profissão, fazemos escolhas sobre o que vamos adquirir, visualizamos horizontes, sonhamos e lutamos por ideais, estamos vivenciando algo que é um traço constitucional do humano, ou seja, a capacidade de agir com liberdade e autonomia. Entretanto, se abandonarmos as visões ingênuas de que um indivíduo caminha livre por si mesmo ao longo da vida, faremos parte de um grupo que acredita que somos afetados pelas macro e micro estruturas sociais, como todas as engrenagens e mecanismos de uma enorme máquina, tendo ou não consciência das mesmas. É interessante notarmos que, segundo Jon Elster, a motivação para qualquer ação humana resulta do escalonamento de todos estes níveis de interação, do mais superficial ao mais profundo, do mais biológico e irracional ao que chamamos de inteligência humana racional e vida social.
Catarina Rabello
Psicóloga CRP 30103/06
Atendimento a adultos, adolescentes, casais e famílias
Psicanalista membro efetivo do Departamento de Psicanálise do I. Sedes Sapientiae
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