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Subjetividade e relações de trabalho

Profissionais da Saúde e Pandemia do COVID-19

Por | Dinâmicas disfuncionais de trabalho, Resiliência, Saúde mental e Pandemia, Saúde pública, Simbolização e elaboração psíquica, Subjetividade e relações de trabalho, Trabalho do Sonho | Nenhum Comentário

 

Ao acordar de um sonho de horror, me vi mobilizada a escrever sobre o estresse traumático que milhares de profissionais da saúde vêm  sofrendo, sendo submetidos a cenas reais e impactados por terrores que a própria mente se esforça por metabolizar, e diante do insucesso frente à magnitude da pandemia, muito semelhante aos fronts de guerra, alguns gritam por socorro. Se alguns estudiosos hoje falam sobre a “Psicologização da Pandemia”, provavelmente nunca tiveram a oportunidade de atuar numa linha de frente tão drástica como as equipes de saúde da rede pública nacional que atendem as vítimas da pandemia do COVID- 19. O sonho se desenvolveu em Ushuaia, no trem chamado “trem do fim do mundo”. Tinha ido para lá participar de uma jornada científica, e toda minha história se desenvolve naquela estação de trem. Passados alguns dias, acordo de sobressalto, vejo pessoas correndo desesperadas, não consigo me situar no tempo nem no espaço, apenas uma nuvem cinza e um cheiro horrível de fumaça, meus olhos não conseguem focar quase nada. Eu havia dormido agarrada a algumas apostilas do curso, e quando consegui focar alguma imagem, vi uma amiga correndo de calça preta, era de veludo, ela entrava correndo em outro vagão como todas as outras pessoas, alucinadas, umas por cima das outras, conquistando um espaço em direção à frágil possibilidade de sobrevivência. Fui atrás dela querendo seguir alguma referência, mas não cheguei a tempo e o trem partiu. Olhei em volta, me senti completamente só, não sabia o que fazer, estava impedida de voltar ao meu vagão, tudo cheirava a queimado, tudo preto, e a única coisa que eu tinha como apoio eram aquelas apostilas com as quais havia dormido abraçada. Eu pensava, pensava, mas não encontrava uma solução. Havia perdido o trem que salvara inúmeras pessoas, perdi minhas malas, perdi minha bolsa, sem dinheiro, sem roupas e sem documentos, o que eu faria com todo aquele desamparo? Ir até um bar e pedir por uma comida…humilhação jamais imaginada. Ficar sem perspectiva, sem ter o que fazer, não saberia como voltar pra casa, não saberia como continuar esta jornada, onde comer, onde dormir, era um desamparo absoluto, absolutamente só em terra estranha…impossível metabolizar tudo isso. Felizmente acordei e novamente tive dificuldade de me situar, afinal eu tinha vivido aquelas cenas de maneira tão realista, que demorei pra acreditar que não era real, apenas uma produção alucinatória da minha mente.

Infelizmente cenas reais do horror da pandemia têm impactado milhares de profissionais da saúde. Participar das equipes de atendimento psicológico voluntário a estes profissionais tem me ensinado muito, não somente quanto aos efeitos psíquicos dos traumas vividos, mas sobre a importância do grau de resiliência que é requisitado de cada um que se desdobra para dar continuidade a um ofício quase humanamente impossível, quando em contato com os horrores da falta de recursos mínimos de proteção à vida, vivências de desrespeito e uma violência velada em inúmeras unidades da rede de saúde pública ao longo das linhas que cortam o nosso país. Retomadas da economia escondem o impacto da verdadeira tragédia. Não fosse uma tragédia econômica e social, somos obrigados a conviver com uma inércia de lideranças que pouco se importam com a violência imposta à rede de saúde, mais especificamente a saúde pública. Por mais maquiada que possa parecer a realidade da saúde nacional, falta muito ainda à luz dos direitos humanos, onde no microcosmos das equipes de saúde, o profissional fica dividido entre a decisão de continuar ou abandonar, desde o seu posto de trabalho, sua carreira colocada em risco, até a tarefa de decidir sobre quem morre e quem vive.  Onde chegamos? Com os recursos mentais esgotados dos profissionais da saúde da linha de frente desta batalha à sobrevivência, torna-se coletivamente invisível o efeito das consequências mentais e psíquicas diante das estatísticas diárias da distribuição da pandemia pelo planeta, aproximando-se hoje de sete milhões de vítimas. Entretanto, as vítimas sobreviventes do desamparo absoluto atinge cifras também inimagináveis. Fazemos parte de uma legião de pessoas que teriam muito a falar coletivamente, mas, diante de tantas ameaças, os profissionais da saúde não têm outra escolha, a não ser reservar um pouco da sua verdade ao amparo do sigilo do atendimento psicológico. Há um silêncio perturbador, que se esconde por detrás dos sintomas de depressão, ansiedade, pânico e estresse pós-traumático, que indica ao mesmo tempo, o quanto a natureza humana é capaz de se reorganizar diante de tanto horror. A capacidade de sobrevivência e saúde mental exigem estarem intimamente  associadas à capacidade de resiliência ante o enfrentamento dos medos que invadem o dia-a-dia dos profissionais da saúde, necessitando de acolhimento, escuta e atendimento adequados.

Talvez nós, os psicólogos, além de sermos os vetores da escuta das dores traumáticas isoladas e solitárias, possamos representar  um dos pequenos, mas não menos importantes, vetores de um resgate da saúde social e rompimento do silêncio que se impõe em meio a urgências e emergências, aos profissionais que necessitam gerir situações inusitadas, precisam expor suas angústias e requerem uma possibilidade de questionarem sobre a ética quanto à escassez de recursos básicos de proteção nos serviços de saúde. Colocar-se hoje em uma frente de trabalho na saúde contra a pandemia do COVID-19 torna-se um desafio tão desorganizador como passar por uma tormenta no meio do oceano. No relato do sonho, mistura-se o onírico a uma realidade muito próxima e semelhante à perda de referências a que o trauma da pandemia expõe as equipes de saúde. Transcorrido em Ushuaia, a cidade mais austral do planeta, sabe-se que o frio, a neve e a dureza de suas montanhas não impedem que a vida continue, que a belíssima imagem de suas paisagens se mantenha impressionante, e que a natureza, lutando contra um desastre ambiental,  venha um dia a se recompor, mesmo sendo obrigada a conviver com os efeitos trágicos da introdução dos castores canadenses na região, causando um desequilíbrio ecológico sem precedentes e destruindo suas matas… Mais um desequilíbrio por erro humano gerando trágicos efeitos. Assim vemos os profissionais da saúde, tentando lutar por uma sobrevivência de seus semelhantes, de si mesmos e das próprias condições essenciais à saúde, desenvolvendo toda a sorte de defesas para lidarem com o desamparo da perda de referências e solidão absolutas.

 

 

Catarina Rabello

Psicóloga CRP 30103/06
Psicanalista membro efetivo do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae

Contato: São Paulo (SP) Brasil  Whatssapp (11) 971121432

Desafios da Empresa Familiar Psicóloga Tatuapé/Perdizes

Por | Abordagem psicanalítica, Dinâmicas disfuncionais, Empresas familiares e coaching, Empresas familiares e psicoterapia, Subjetividade e relações de trabalho, Terapia familiar | Nenhum Comentário

 

O primeiro desafio a ser enfrentado pelas empresas familiares está intimamente associado aos problemas de comunicação e definição clara de papéis e funções. Os conflitos ocasionados pelas falhas de comunicação e indefinição de papéis podem perdurar ao longo do tempo e podem  desencadear interferências em todas as etapas do processo de trabalho, gerando o efeito cascata e comprometendo profundamente os resultados de todo o empreendimento.

Os problemas de comunicação da empresa familiar envolvem desde as demandas atuais até uma visão da historicidade da empresa com todos os seus vieses que permeiam o enorme volume de mensagens que passam não apenas pelo processo transmissor/receptor, mas que envolvem os perfis de relacionamento e subjetividade dos seus integrantes, as histórias de compartilhamento maior ou menor de idéias, propostas, formas de gerenciamento, conflitos de propósitos, metas, ideais engajamento individual e participação com definição de papéis nas diversas esferas do sistema de trabalho. A empresa familiar tende a reproduzir os padrões de convivência e comunicação familiar nas relações de trabalho, mas seus integrantes não se questionam sobre estes padrões de interação por serem internalizados e automatizados por longa data.

Por menor que seja a empresa familiar, os problemas de comunicação entre seus líderes representam um grande fator de risco à sua manutenção e crescimento. Se a empresa familiar se compõe de integrantes de duas gerações como pais e filhos, pode haver uma dificuldade de reconhecimento de valores de ambos os lados: Os pais não aceitando as inovações propostas pelos filhos e estes não reconhecendo o valor da experiência acumulada dos pais. Muitas vezes o realinhamento dos processos de comunicação na empresa implica uma reorganização das dinâmicas de relacionamento familiar que se cristalizaram e se reatualizam em conflitos contínuos e repetitivos entre os seus membros. Isto exige dos seus integrantes um nível de autoconhecimento que pode ser alcançado em um processo terapêutico, já que envolve emoções, memórias e sentimentos que podem ser difíceis de elaborar.

Frente às dificuldades de diálogo e diferentes níveis de divergências que podem ter suas raízes naturais provenientes das dinâmicas familiares disfuncionais e das estruturas individuais de personalidade, as interpretações das mensagens podem ser truncadas. Algumas mensagens podem ficar simplesmente deixadas de lado e não serem suficientemente valorizadas, ou, pelo contrário, serem interpretadas com distorções repetindo-se os mesmos padrões cristalizados da comunicação familiar, gerando reações ora impulsivas e agressivas, ora de rejeição ou de falta de interesse a uma escuta verdadeira e mais profunda. Todas as distorções das mensagens são possíveis no processo de comunicação, já que tanto no processo de transmissão de idéias como na sua escuta participam profundos mecanismos psíquicos inconscientes que determinam a forma como cada indivíduo processa uma informação, em especial no contexto de relações que envolvem afetividade e histórico de convivência familiar. Embora façamos parte de uma mesma comunidade linguística, inúmeros são os abismos com os quais temos que nos deparar frente às comunicações diárias no ambiente de trabalho, pois as mensagens que incidem sobre a autoestima, como por exemplo, ordens, críticas e correções, podem despertar reações que se originam em mecanismos de defesa que independem das situações profissionais.

Saber analisar e lidar de forma eficiente com os processos de comunicação, sem dúvida, torna-se um pré-requisito importante e essencial ao sucesso da empresa familiar, exige um investimento nas questões do relacionamento familiar, demanda um olhar para aquilo que não é possível enxergar com objetividade, mas com o olhar de quem pode ultrapassar o limite dos conflitos e das ressonâncias dos mal-entendidos acumulados ao longo de toda uma história com seus avanços e retrocessos.  Na maioria das vezes os entraves psíquicos do relacionamento não são percebidos, muito menos decodificados, o que leva a processos de  repetição e frustração contínua no processo de trabalho. Não podemos minimizar os efeitos da história familiar nas dinâmicas de trabalho das empresas familiares.  Neste caso um profissional especializado na área de saúde mental psicólogo ou psicanalista com experiência em terapia familiar pode ajudar no processamento das questões psíquicas dos integrantes, colaborando para que o autoconhecimento seja uma ferramenta indispensável na solução de conflitos que se interpõem e interagem no contexto profissional das relações da empresa familiar.

 

 

Catarina Rabello
Crp: 30103/06
Psicanalista Instituto Sedes Sapientiae

Psicoterapia Familiar e Individual
Psicanálise

Psicanálise dos conflitos da Empresa Familiar
Coaching para Empresas Familiares

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