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estrutura social

Olhar de frente para si mesmo Requer ousadia e serenidade

Por | Cultura, Família, Psicanálise, Reflexões | Nenhum Comentário

Os processos de psicoterapia são compreendidos como processos de autoconhecimento. Entretanto, para quem nunca fez uma terapia, este conceito parece estranho e muito vago. O que seria o autoconhecimento na área psíquica? Segundo a abordagem psicanalítica, o autoconhecimento vai muito além de conhecer as suas emoções e controlá-las quando necessário, implica descobrir sob quais mecanismos inconscientes está regido o seu psiquismo. A partir de um trabalho rigoroso de escuta do discurso do paciente o psicanalista pode ajudá-lo a descobrir as representações simbólicas que são arquivadas no inconsciente e funcionam como as motivações de suas emoções, sentimentos, pensamentos, sonhos e sintomas.

Segundo a teoria freudiana as leis do inconsciente funcionam sob os mecanismos da condensação e do deslocamento, que são mecanismos linguísticos e lógicos que se sobrepõem à logica da consciência, gerando os conteúdos inconscientes, aqueles que foram de certa maneira ocultados  da consciência frente aos limites do mundo interno e externo, às ambivalências e contradições humanas. O inconsciente é uma instância psíquica que nos move frente ao complexo universo dos afetos, desejos, ideais e emoções, e que nos leva a reagir de maneira automática e repetitiva diante das tensões cotidianas.

O sonho foi para Freud o caminho por excelência da descoberta do inconsciente e dos seus mecanismos. Os sonhos para o olhar psicanalítico permitem um acesso a conteúdos reprimidos que aparecem em imagens visuais e linguísticas distorcidas que se configuram nas cenas do sonho, como se o sonho realizasse uma verdadeira produção teatral, porém, com valor de realidade, o real do inconsciente. Tanto os personagens como as situações vividas no sonho têm uma íntima relação com conteúdos simbólicos reprimidos que podem vir a ser interpretados analiticamente, ou seja, fazem parte do funcionamento mental e neurolinguístico que segue uma lógica determinada, a lógica do inconsciente. Estamos, portanto, próximos ao campo da lógica e da linguística no processo analítico do autoconhecimento.

Olhar para si mesmo é um processo ousado? 

Sim, porque implica colocar as certezas a respeito de si mesmo e as suas justificativas em dúvida. Todos nós compomos histórias que nos levam a justificar como somos. A psicanálise permite ao paciente enxergar os pontos cegos na sua maneira de ser e se relacionar. Também permite elaborar psiquicamente as dores que se mantém provocando tristezas, angústias, ansiedades ou sintomas que são, por vezes, incapacitantes.

A iguana verde é um réptil dócil e extremamente tranquilo. É capaz de ficar horas na mesma posição contemplando o ambiente ao seu redor. Ela é mais verde quando jovem e vai mudando de cor conforme a idade até ficar totalmente acinzentada. A iguana sofre transformações com a idade, o que injustamente a leva a ser alvo de exemplos pejorativos no imaginário social quando chamamos alguém de “camaleão”. Na verdade, é saudável que possamos mudar a nossa autoimagem, que possamos reconhecer os efeitos da nossa história nas nossas falhas e possamos ressignificar algumas experiências difíceis, pois este processo pode coincidir com o amadurecimento tão desejado e com um novo olhar para a vida, menos rancoroso, mais paciente, mais esperançoso e mais autoconfiante.

Um projeto de autoconhecimento através da análise exige
serenidade e ousadia, 
persistência, escuta e observação.

 

Catarina Rabello
Psicóloga CRP 30103/06
Atendimento a adultos, adolescentes, casais e famílias
Psicanalista membro efetivo do Departamento de Psicanálise do I. Sedes Sapientiae

Consultório São Paulo
(11) 970434427
contato@psicatarina.com
SP zona oeste:    Perdizes  R. Ministro Godoi, 1301
SP zona leste:    Tatuapé   R. Serra de Botucatu, 48

 

Família, estrutura social e escolhas individuais

Por | Família | Nenhum Comentário

A sociedade se compõe de estruturas e mecanismos sociais que regem o seu comportamento ao longo da história. O que permite com que uma estrutura se mantenha firme são os mecanismos de suas engrenagens. E o que vem a ser mecanismos? Tanto na vida social como nas profundezas da vida psíquica  somos movidos por mecanismos. Mecanismos são modos de funcionamento que seguem um padrão, se repetem e podem modificar-se, porém, muito lentamente. Tão lentamente, que parecem imutáveis.

Jon Elster, filósofo e cientista social contemporâneo norueguês tenta explicar os fenômenos sociais através de seus mecanismos e mudanças que envolvem os indivíduos que compõem um determinado grupo, com suas propriedades, suas crenças, seus valores e, consequentemente suas ações.

As estruturas sociais apresentam-se verticalizadas como podemos representá-las metaforicamente semelhantes às múltiplas camadas geológicas de um grande canyon; elas vão se sobrepondo por milhares de anos de tal forma que se torna impossível inverter a ordem das camadas, embora a paisagem possa modificar-se com a ação de fenômenos naturais ou sob a interferência humana.  Jon Elster, teórico preocupado em explicar o fenômeno social,  dá uma atenção especial ao papel das normas e valores que estão na base da motivação, dos interesses e das escolhas individuais, incluindo o papel das emoções. Segundo Elster, as emoções são negligenciadas nas ciências sociais contemporâneas. Mas como incluir as emoções em uma ciência, se emoção é tudo o que se imagina de imprevisível e irracional, e, que, portanto, não pode vir a ser incluído em uma lei científica?

Segundo Elster as emoções podem até incluir algo de racionalidade quando estudamos o que motiva uma pessoa a fazer as escolhas que faz, o que motiva seus interesses e suas condutas O que do social contamina o indivíduo e quais aspectos individuais se fortalecem  na interação grupal? A psicologia de grupos e a psicanálise apresentam elementos teóricos para este debate.

Sem dúvida, a verticalização do social interfere nas escolhas individuais, nos horizontes que podem ser almejados, nos olhares que cada pessoa lança individualmente em relação ao seu projeto de vida e às suas crenças dentro do universo da cultura. Tais horizontes eclodem da inter relação complexa entre o social, o cultural e o individual desde  a estrutura primária micro social que se revela na dinâmica familiar, desde que os seus integrantes comportam uma estrutura comprometida com o macrossocial.

É no seio da família que um indivíduo se constitui como pessoa e cidadão e constrói sua personalidade, seus mecanismos de ação e reação, suas defesas, seus valores e crenças. Estes são  alguns elementos fundamentais que vão permitir com que o indivíduo se insira nas estruturas verticais sociais humanas, com suas hierarquias e relações de poder, que vão organizar suas metas, suas intenções e suas projeções de vida. Um indivíduo resulta desta complexidade de interações e mecanismos que se iniciam desde o momento que um casal espera um bebê. Este, ao nascer já está amparado por uma estrutura macro e microssocial, já ocupa um lugar ideal no imaginário familiar e já carrega os laços e as heranças socioculturais das crenças e valores da família de origem.

Partindo-se das relações familiares, as possibilidades de interação eu/outro estendem-se para o social mais amplo à medida que o indivíduo alcança o amadurecimento físico, biológico, psíquico e social. Se este processo de escolhas individuais que regem os desejos e ações humanas pode ser compreendido de maneira mais ou menos racional, devemos lançar mão também das teorias  do funcionamento mental humano que incluem a interação de dois níveis do pensamento, o consciente e o inconsciente. Os mecanismos inconscientes encontram-se como que submersos, porém compõem a base da estrutura mental do sujeito, o qual, da mesma forma como o fenômeno social, também se apóia nos mecanismos que os sustentam.

Entre a abordagem da psicanálise e a abordagem sistêmica encontramos um ponto em comum: a psicanálise estuda os mecanismos inconscientes do funcionamento mental e a teoria sistêmica familiar estuda os mecanismos que regem os sistemas familiares, porém,  ambas enfocam que a estrutura do ser  está inserida e profundamente marcada pelo seu contexto histórico, social e cultural.

Quando emitimos opiniões, estabelecemos metas, investimos em uma profissão, fazemos escolhas sobre o que vamos adquirir, visualizamos horizontes, sonhamos e lutamos por ideais,  estamos vivenciando algo que é um traço constitucional do humano, ou seja, a capacidade de agir com liberdade e autonomia. Entretanto, se abandonarmos as visões ingênuas de que um indivíduo caminha livre por si mesmo ao longo da vida, faremos parte de um grupo que acredita que somos afetados pelas macro e micro estruturas sociais, como todas as engrenagens e mecanismos de uma enorme máquina, tendo ou não consciência das mesmas. É interessante notarmos que, segundo Jon Elster, a motivação para qualquer ação humana resulta do escalonamento de todos estes níveis de interação, do mais superficial ao mais profundo, do mais biológico e irracional ao que chamamos de inteligência humana racional e vida social.

 

Catarina Rabello
Psicóloga CRP 30103/06
Atendimento a adultos, adolescentes, casais e famílias
Psicanalista membro efetivo do Departamento de Psicanálise do I. Sedes Sapientiae

Consultório São Paulo
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contato@psicatarina.com
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SP zona leste:    Tatuapé   R. Serra de Botucatu, 48