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Subjetividade e Família no filme “Coco”

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Coco é o mais novo filme de animação da Pixar/Disney e é mais do que um presente ao povo mexicano, é uma linda produção que propõe um retorno às raízes culturais e à valorização da história do México, desde o ponto mais íntimo da história de uma família mexicana em seus dias atuais até as marcas transgeracionais familiares e os mitos que orientam as crenças e valores do povo mexicano. Mas este filme não se restringe somente à cultura mexicana no que diz respeito aos conflitos e bloqueios familiares. Pelo contrário, traz à tona a importância da história familiar desde as suas raízes, de uma maneira em que todos nós, ao assistirmos o filme, podemos nos identificar,  deixando claro que as interpretações da história familiar com suas distorções e segredos têm um papel fundamental na construção de valores para as gerações seguintes.

Coco traz à tona a lembrança de um hábito  muito esquecido às gerações atuais, o hábito de contar e ouvir histórias. Esquecemos do benefício fundamental sobre o hábito de contar histórias, e em especial, as histórias sobre os avós, bisavós e tataravós às nossas crianças em plena formação da sua estrutura psíquica. As crianças gostam de ouvir histórias e conseguem identificar-se com os aspectos valorizados dos seus antepassados.

A capacidade de linguagem da criança e suas habilidades cognitivas, sociais e emocionais necessitam de estímulos importantes para o seu desenvolvimento, permeados por um convívio familiar afetivo através de brincadeiras e atividades lúdicas como ouvir as histórias contadas pelos mais velhos. Porém, com o crescente uso e abuso de recursos tecnológicos por pais e filhos, o hábito de reunir a família para contar histórias foi se perdendo e reduzindo as oportunidades da criança para este tipo de vivência. Ao ouvir histórias a criança pode se identificar com alguns personagens e processar simbolicamente os seus conflitos emocionais, seus medos e inseguranças de maneira lúdica e divertida. Por este motivo, é tão comum as crianças pedirem para ouvir uma determinada história inúmeras vezes, porque através da repetição elas estão processando os seus conteúdos emocionalmente.

Coco estreou no México no final de outubro/2017, próximo à importante data festiva para os mexicanos, o “Dia dos Mortos”. O filme se desenvolve em torno dos enigmas e traumas que envolvem a família de Miguel Rivera, um garoto de 12 anos que deseja ser músico,  mas que sofre todo tipo de proibição para realizar o  seu sonho. Seu tataravô  era músico e desapareceu após ter saído um certo dia levando o seu violão. Miguel visita o cemitério da cidade e encontra-se com uma vida alegre, divertida e colorida de esqueletos que o recebem em clima de festa e se apresentam assim: “Bem -vindo à terra dos seus antepassados, nós somos a sua família”.

O filme Coco expressa de uma maneira muito linda e real os dramas de uma família envoltos por segredos e interpretações distorcidas da história familiar, que são transmitidas transgeracionalmente e movidas por uma lógica predominantemente emocional, colocando a figura do pai e tataravô no lugar de vilão. A interpretação dada pela tataravó ao desaparecimento do marido foi movida por uma profunda mágoa chegando a ser cruel, fazendo com que todos os familiares daquela geração e das seguintes acreditassem de que o seu marido havia simplesmente abandonado a família e deixado a sua filha Coco ainda criança em prol do seu sonho de viver da música. Mas Miguel, o tataraneto de apenas 12 anos, não se contentou com esta explicação rasa dada pela família para a proibição maciça ao seu desejo de tornar-se músico como o tataravô. Sua bisavó Coco já apresentava sinais de Alzheimer e não conseguia ajudá-lo na busca de suas respostas a tanta rejeição familiar à figura do seu pai e ao sonho do bisneto. Miguel precisou pesquisar muito até que encontrou-se com o seu tataravô no mundo dos mortos e conheceu a verdadeira história sobre o seu desaparecimento. O filme apresenta uma complexidade profunda ligada ao conflito familiar, com um grau de relativa dificuldade para a compreensão das crianças menores que possam assisti-lo, pois mistura o mundo dos vivos e dos mortos em uma saga que traz à tona a ambivalência do bem e do mal na realização dos desejos humanos.

Este filme cuidadosamente elaborado a partir da cultura, do folclore, dos mitos e crenças mexicanas sobre o binômio vida e morte, nos traz uma bela representação sobre uma das questões mais essenciais à vida:  Ir em busca do seu sonho, conhecer a verdadeira história dos seus antepassados, elaborar as questões sobre a vida e a morte, construir o seu próprio mito particular e viver com alegria, não é definitivamente uma tarefa fácil!

Coco aponta para inúmeras  questões de vida, como a empatia, as importância das memórias familiares, a violência, a ética, a falta de escrúpulos, as dificuldades de se colocar no mundo com seus sonhos, suas marcas e inseguranças, as dificuldades de lidar com os enigmas da história familiar e seus vieses, ambiguidades e bloqueios e como construir a individualidade e subjetividade em um processo que é nitidamente elaborado a partir das representações simbólicas familiares transgeracionais e culturais, um verdadeiro tratado de terapia familiar sistêmica! Além destes aspectos, o filme faz uma ampla referência à arte mexicana, à sua riqueza nos estilos e expressões musicais, à  importante arte da pintura com Frida Khalo e Diego Rivera, e à riqueza das artes plásticas com os alebrijes e sua simbologia.

O final do filme é fantástico e emocionante e também reforça a importância da memória familiar, com a linda música “Remember”. Vale muito a pena assistir!

 

Catarina Rabello
Psicóloga CRP 30103/06
Atendimento a adultos, adolescentes, casais e famílias
Psicanalista membro efetivo do Departamento de Psicanálise do I. Sedes Sapientiae

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