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Catarina Rabello

Poor Things: Reflexões sobre a ética aristotélica

Por | Ética e psicanálise, Psicanálise e cinema, Psicanálise e filosofia | Nenhum Comentário

Ótimo é aquele que de si mesmo conhece todas as coisas;

Bom, o que escuta os conselhos dos homens judiciosos.

Mas o que por si não pensa, nem acolhe a sabedoria alheia,

Esse é, em verdade, uma criatura inútil.”

ARISTÓTELES em ÉTICA A NICÔMANO

 

Esta foi a provocação que me motivou a escrever uma breve reflexão a partir do filme Poor Things que concorre ao Oscar 2024 de Melhor Filme e Melhor Atriz, com a performance maravilhosa de Emma Stone na personagem de Bella Baxter, criação do médico e cientista Godwin Baxter, que fazia experiências retirando cérebros de corpos e implantando em outros seres. Assim ele cria Bella, a partir de sua morte recente, e Bella passa a referir-se ao Dr. Godwin como o pai God.  Nada mais icônico do que uma reflexão sobre a Ética de Aristóteles, entre as inúmeras questões do filme, o foco dado à ciência positivista e suas manipulações laboratoriais com seres vivos, para pensarmos o fio condutor deste filme lançado em 2023. Dirigido por Yorgos Lanthimos, cineasta produtor e roteirista grego,  com  maravilhosa fotografia, o filme apresenta muitas cenas com a perspectiva da lente Fish Eye, o que nos leva a uma forma de ver muito especial, compondo a imagem como um peixe vê o mundo, debaixo da água, como se o espaço da lente pudesse abranger todos os detalhes da cena. Em entrevista ao The Guardian, Lanthimos revela que seus filmes são sempre sobre crianças problemáticas e sobre o terrível e assustador desafio do ser humano pela luta à liberdade.

Baseado no romance Poor Things, de Alasdair Gray de 1992, Lanthimos inscreve entre o bom humor e um tanto de horror, temas político/ético/filosóficos as suas provocações a respeito da crueldade humana e suas semelhanças com a irracionalidade animal. Bella Baxter, mãe e filha de si mesma, é uma criança com o corpo de mulher, e toda a sua descoberta vai evoluindo até que ela se descobre mulher e encontra-se dotada com o poder do orgasmo e alcança a mais deliciosa felicidade. O filme eleva o tema da sexualidade ao pico máximo, e enfoca a cultura com suas regras cruéis de aprisionamento e cerceamento desta potencialidade humana, a liberdade, o prazer e a felicidade. Capaz de criar, construir e destruir na mesma proporção, a liberdade sexual é algo perigoso à civilização… Freud logo identificou os estragos da intensa repressão sexual nas somatizações de suas pacientes histéricas no final do século XIX.  Entretanto, Freud deixa-nos uma questão a ser analisada: Seria a cultura responsável pela repressão inconsciente do desejo sexual infantil, ou vice-versa? Como fazer da sexualidade humana um potencial da evolução, e retirá-la da mera condição de liberação de impulsos agressivos e destrutivos irracionais? Em nome da ciência, da religião ou da política, todos ficamos acorrentados, ao esquecermos do que nos alertavam os filósofos gregos, para a complexa questão: O que é… E para que serve a ética? Como alcançar a felicidade sem ferir o outro… Seria isto algo possível para o humano?

Poor Things faz enxergarmos, de maneira lúdica e inteligente, o drama de cada um de nós, como pobres criaturas que somos, com poucas saídas ao aprisionamento do conflito Eu e o Outro, quando nos impacta em falas como: “Aventurei-me pela vida e não encontrei nada além de açúcar e violência”. A condição do aprisionamento humano intrínseco ao processo civilizatório, para além das estruturas psíquicas inconscientes individuais, que é capaz de gerar a destruição da saúde mental e até a destruição da vida de maneira global, pode também significar um gatilho a desencadear uma luta saudável pela libertação. Nisto concordamos com Freud e os filósofos gregos; há que nos debruçarmos em muita análise e reflexão para sequer nos conduzirmos em direção a este ideal.

 Em Ética a Nicômano, Aristóteles descreve:

“A felicidade como a melhor, a mais nobre e aprazível qualidade humana”.

Das coisas a mais nobre é a mais justa, e a melhor é a saúde;

Mas a mais doce é alcançar o que amamos.”

Terapia de Casal, quando buscar?

Por | Conflitos no relacionamento, Crises conjugais, Dinâmicas conjugais, Relacionamentos disfuncionais, Terapia de Casal | Nenhum Comentário

 

Um dos principais ideais de relacionamento que tendemos a alimentar, encontra-se profunda e inconscientemente associado ao ideal infantil de perfeição. Naturalmente, a meta de perfeição no relacionamento amoroso produz um dilema: Por quê o meu parceiro não entende o que eu preciso e não se esforça em preencher as minhas lacunas de afeto, intimidade, sexo, romantismo, compreensão e aceitação absolutas? Quando um casal busca uma terapia, pode ser compelido por diversas motivações individuais, desde provar para o terapeuta que as suas teorias e explicações a respeito do parceiro são as mais corretas, até buscar uma parceria com o terapeuta para reafirmar ao parceiro que ele funciona como a única fonte dos conflitos em comum. Na minha longa experiência com terapia de casais, uma das afirmações mais comuns que tenho escutado logo na primeira entrevista refere-se a uma grandiosa descoberta dos casais em crise: “Descobrimos o quanto somos diferentes!!” Uau!! O que esta afirmação poderia nos revelar em um primeiro momento? Haveria uma fantasia, uma ilusão, um desejo, ou um ideal de que, em um relacionamento, os parceiros pudessem se entender tão completamente e tão perfeitamente, que nada pudesse quebrar o sonho de uma harmonia perfeita e indestrutível, ideal suavemente configurado no breve e fugaz momento da paixão? O sonho do amor perfeito começa a se desfigurar frente a subsequentes tentativas de resgatar o que fora perdido no contato com o lado desconhecido de si mesmo e do outro, nas diversas maneiras de se confrontarem com as suas diferenças individuais. O que poderia ser um incentivo para uma relação mais criativa transforma-se agora em rigidez, repetição e afastamento progressivo.

A ficção de um ideal de perfeição surge desde a mais tenra infância, no processo de identificação com as figuras materna e paterna,  na fase da estruturação do psiquismo, porém, ela se mantém inconsciente e tende a se manifestar mais eficientemente quando o sujeito se depara com uma profunda frustração. A vida a dois eventualmente leva o casal a se deparar com frustrações sequenciadas ao longo de uma jornada, e a nossa cultura coloca à disposição dos casais inúmeras tecnologias, farmacologias e terapias que propõem soluções práticas e rápidas para superar tais frustrações. Entretanto, as opções de tratamento rápido nada mais produzem do que uma intensificação da frustração e uma desesperança no relacionamento e em si próprio, por não acessarem as questões subjetivas, os mecanismos e limites construídos na relação, sua história e seus traumas.

Todo o contexto de uma terapia conjugal torna-se profundamente desafiador quando o terapeuta propõe uma revisão das interpretações que invadem o dia a dia de um casal, aquelas que se cristalizaram ao longo do relacionamento gerando profundas barreiras não somente ao nível da comunicação e do encontro sexual, mas de uma intimidade que foi se tornando cada vez mais pobre e rara. Seus efeitos são especialmente desastrosos e podem desencadear doenças psicossomáticas, doenças psíquicas como depressões, queda na autoestima, na autoimagem, na autoconfiança e uma total descrença em si e no outro.

Muitos traumas podem estar associados à dificuldade de uma entrega profunda ao outro, traumas que marcaram o sujeito na sua infância ou adolescência, que o levaram a desenvolver posturas extremamente defendidas, como se estivesse sempre vulnerável a um ataque iminente, tendo que lutar contra esta vulnerabilidade utilizando mecanismos de defesa nada eficazes para o momento atual, como negação, racionalização, e até mesmo padrões agressivos de reagir a qualquer estímulo que venha do outro. Um contexto como este tende a eliminar a possibilidade de prazer, de intimidade, de conexão emocional, de bom humor e de alegria, elementos necessários e essenciais para sustentar o equilíbrio entre um relacionamento saudável e suas crises eventuais.

Vivências difíceis de lidar como infidelidade, sentimento de abandono, sentimentos de solidão, ausência de diálogo e falta de conexão  física e emocional, podem ser extremamente ameaçadoras para a  saúde individual e do casal. Estas vivências evidenciam que o casal chegou a um limite difícil de ultrapassar, e a tentativa de manterem a relação em um nível razoavelmente sustentável, exige, ainda que haja uma forte resistência, uma postura corajosa de ambos para enxergarem, aceitarem e providenciarem uma ajuda terapêutica. A terapia de casal pode funcionar como um espelho, em que cada um se surpreende ao enxergar algo de si que não era bem percebido anteriormente e que estaria inevitavelmente associado às dinâmicas e padrões reacionais que se tornaram automáticos, repetitivos e ineficazes no processo de feed-back contínuo, cujo padrão principal de interação estaria baseado na “ação e reação”. Orientar e ajudar a analisar e repensar sobre toda esta complexidade das dinâmicas conjugais é função primordial do psicanalista e terapeuta de casais.

 

 

 

Catarina Rabello

Psicóloga Psicanalista membro efetivo do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae
Psicoterapeuta de Casais
Email: contato@psicatarina.com   

Por que fazer análise?

Por | abordagem psicanalítica, Autoimagem e autoestima, Psicanálise, Psicanálise e autoconhecimento | Nenhum Comentário

Como se inicia a busca de um profissional para um processo de psicanálise ou psicoterapia? O que espera-se obter concretamente, dentre os fatores objetivos e subjetivos que influenciam esta busca? O valor mais amplo de uma análise revela-se somente após um primeiro momento, quando esta busca é focada em uma resolução rápida de problemas. Entretanto, a análise abrange muito mais do que isso, amplia a possibilidade de um olhar mais detalhado à maneira como uma pessoa se organiza em relação a si mesma e ao seu equilíbrio emocional, aos seus vínculos com a vida, com seus projetos e com os outros, e em especial, como se organiza em relação à própria história e às vivências que foram marcantes e constitutivas da sua estrutura psíquica. O momento da iniciativa de busca de uma análise é comumente determinado por uma certa urgência, e costuma ocorrer quando a pessoa já esgotou outras tentativas de resolver a existência de problemas que geram profunda tristeza, insatisfação, mágoa, depressão, ansiedade ou outros sintomas, percebendo-se exausta pelas tentativas frustradas para alcançar o equilíbrio emocional tão desejado.

Estar apto a uma análise implica estar aberto a encarar de frente as próprias dificuldades e defesas frente às mesmas. Entretanto, o método psicanalítico proposto por Freud nos textos sobre a técnica da psicanálise, prevê uma aproximação gradativa às questões mais difíceis de acessar. Este processo se desenvolve ao longo do estabelecimento do vínculo terapêutico, do manejo da transferência e das resistências à análise. Freud, em seu percurso teórico/clínico foi capaz de organizar cada uma das etapas do processo psicanalítico, dando um valor especial a cada detalhe que observava de seus pacientes, ficando atento às reações ligadas à transferência, incluindo as percepções de si mesmo para articular as suas observações clínicas com as conclusões teóricas. No texto “Recordar, Repetir e Elaborar”, escrito em 1914, Freud descreve toda uma sequência de movimentos psíquicos que levam a criança a reprimir traços de vivências traumáticas e incompreensíveis para ela, que são arquivados em uma memória inconsciente, e cujos efeitos podem se manifestar muitos anos depois como sintomas e repetições, sem que necessariamente o adulto possa recordar-se destas experiências, que exercem uma grande força psíquica na produção de dores, desajustes, inibições e sintomas mentais e psicossomáticos.

O analista é o profissional capacitado a acompanhar o percurso do analisando em suas descobertas de si mesmo, utilizando a técnica psicanalítica através de uma escuta diferenciada, pontuando e trabalhando as questões e conteúdos psíquicos que surgem do inconsciente e se manifestam tanto no discurso analítico como em pequenos gestos, atos, palavras, chistes, sonhos e atos falhos. Descobrir-se dono de seu próprio destino pode ser tão doloroso quanto sentir-se aprisionado a situações aparentemente sem saída, se este processo ocorre de maneira solitária e fica sujeito às artimanhas próprias do inconsciente. Os efeitos da análise podem ser melhor avaliados pelo paciente  quando ele descobre que pode ser muito mais eficaz em suas escolhas e passa a desenvolver um domínio de si mesmo que não possuía antes da análise. Se antes o paciente ficava à mercê de suas defesas e respostas repetitivas aos conflitos intermináveis, a análise agora lhe permite ser mais criativo, aceitar-se melhor com uma autoimagem mais positiva, perceber-se melhor em seus mecanismos psíquicos e usufruir melhor de seus recursos e potencialidades.

Abandonar a dor dos sintomas também não é algo fácil de empreender, já que o paciente desenvolve um equilíbrio e uma homeostase com suas dores, seus desafetos e suas insatisfações, como se este caminho conhecido fosse a única opção a ser percorrida… de maneira simples e eterna. Primeiro, a resistência se insinua na dificuldade do paciente enxergar algumas dificuldades como verdadeiros sintomas e segundo – se as enxerga como tais, pode tentar eliminá-las via psicofarmacologia antes mesmo de se propor a enxergar as possibilidades de transformação e novos posicionamentos frente aos seus conflitos. Como Freud nos alertou em 1913: ” Nada na vida é tão caro quanto a doença”. Com esta afirmação, Freud já nos ensina sobre a dualidade das pulsões instaurada desde o início da vida no psiquismo, e que se reflete também quando um paciente busca uma análise, no conflito que se manifesta entre mergulhar ou não neste processo, atraente e desconhecido ao mesmo tempo. Seus sintomas lhe são caros no duplo sentido… produzem um desgaste imenso à sua existência, ao mesmo tempo que são protegidos com um enorme carinho…fenômeno este que pode explicar uma das grandes dificuldades da análise.

 

Reflexões sobre a Empatia

Por | Dinâmicas disfuncionais, Dinâmicas interpessoais, Empatia, Psicanálise, Psicanálise e cultura, Psicoterapia de Casal, Resiliência e autoconhecimento, Terapia familiar | Nenhum Comentário

Desde que me aproximei da tela “Niñas en el mar” (1909), do pintor espanhol Joaquim Sorolla, me percebi fazendo associações com o tema da empatia, um conceito muito divulgado que merece ser explorado pela sua amplitude e complexidade. Joaquín Sorolla conhecido como o “pintor da luz” nasceu em Valencia em 1863 e foi o pintor espanhol com maior número de obras, ao todo, 367.  Nesta tela de 1909, observamos as duas meninas de mãos dadas e podemos nos perguntar: O que está acontecendo? O que as meninas estão sentindo? Estaria a menina maior ajudando a menor a enfrentar o medo de entrar no mar?  Com uma beleza especial, esta tela nos estimula a um voo da imaginação e a interessantes reflexões sobre a empatia.

Com origem no termo grego “empatheia“, a junção da palavra “en”  com a palavra “pathos”,  significa “em paixão”, ou seja a empatia se configura como uma disposição interna de uma pessoa para se identificar com o sentimento ou situação de outra que demanda uma atitude de acolhimento e sensibilidade. Pressupõe uma comunicação de afeto, quase uma “paixão” com outra pessoa e é um dos recursos essenciais a todo relacionamento humano saudável, seja entre amigos, familiar, conjugal ou social.

Tentar compreender o outro é tão ou mais difícil que compreender a si mesmo. Somos capturados por mecanismos inconscientes que nos desencadeiam eventualmente reações que nós mesmos não compreendemos, e nos parece quase impossível compreender uma reação do outro quando esta apresenta-se aparentemente ilógica ou desproporcional. Tomemos como exemplo o medo. O medo é capaz de nos tornar irracionais, entretanto, trata-se de uma verdadeira realidade psíquica e razoavelmente difícil de ser acolhida caso o outro não vivencie o medo nas mesmas proporções em situação semelhante. Assim acontece com os estados emocionais, seja de ira, tristeza, pânico, angústia ou outros. A empatia permite nos aproximarmos do outro sem necessariamente compreendermos as razões pelas quais ele sofre.

No livro “O Poder da Empatia”: A arte de se colocar no lugar do outro para transformar o mundo (2015), o filósofo social e historiador Roman Krznaric, nascido em  Sydney na Austrália e radicado na Inglaterra,  concentra-se no poder das ideias para transformar a sociedade.  Autor de vários livros, entre eles “Carpe Diem”, expressão que veio do latim e significa “aproveite a colheita”,  Krznaric discorre sobre a importância de termos a consciência da finitude de todas as coisas e sabermos aproveitar o momento, aproveitar o presente que nos é dado e aprendermos a aproveitar a vida na sua absoluta integralidade. O autor se dirige para a proposta de uma vida plena de conexão com o mundo, com o ambiente, com a sociedade e com o outro.

A empatia pressupõe a capacidade de se colocar no lugar do outro, de ver o mundo pelos olhos dele, de compreender porque ele reage desta ou daquela forma, porém, em relacionamentos difíceis e conturbados, a capacidade de  ser empático encontra-se significativamente reduzida. Nas terapias de casal e famílias com dinâmicas de relacionamento disfuncionais e patológicas, observo enorme dificuldade dos pacientes em resgatar ou desenvolver a empatia. Ela representa um elemento fundamental para o tratamento dos laços afetivos muito danificados e enrijecidos, em especial quando os transtornos relacionais perduram por anos a fio.  Ser empático pressupõe conhecer as próprias fragilidades e aceitá-las, ou seja, ser empático consigo mesmo pode ser um ponto de partida para tornar-se empático com o outro. Este é um trabalho que demanda tempo e disponibilidade interna para empreender em uma psicoterapia ou em um processo de análise.
Visão das neurociências
Um dos motivos para a atual popularidade do conceito é a descoberta da neurociência de que o nosso cérebro é empático, ou seja, está  programado para sentir empatia. De acordo com a neurocientista e neurocirurgiã da UNIFESP Raquel Zorzi, o fenômeno da empatia pode ser explicado também devido à ação dos neurônios-espelho. Eles participam do processo de aprendizagem e são ativados quando observamos pessoas realizando atividades que estão relacionadas às nossas ações ao sermos expostos a essas atividades. A neurocirurgiã mostra como eles funcionam em relação à empatia: “Muitos estudos têm argumentado de forma independente que o sistema de neurônios-espelho está envolvido em emoções e relações empáticas. Isso quer dizer que, quando vemos uma determinada emoção expressa por uma pessoa, ativamos esses neurônios que ‘simulam’ como se nós mesmos estivéssemos vivendo aquele sentimento”. De acordo com estudos da neurociência, a empatia envolve regiões importantes do cérebro como o córtex pré-frontal  e pode ser desenvolvida a partir de estímulos neurais desde a infância, aqueles associados ao fortalecimento de vínculos afetivos e atitudes de cooperação da criança incentivadas pelo ambiente social, familiar e cultural.
Sob o olhar psicanalítico
No campo da psicanálise, o fenômeno da empatia está relacionado ao conceito de identificação, conceito que assumiu progressivamente um valor central na obra freudiana desenvolvido em vários textos de Freud, como  “Totem e Tabu”, “Luto e Melancolia” e “Para Introdução do Narcisismo”, textos escritos no período de 1912 a 1915. Mais do que um mecanismo psicológico, o conceito da identificação para Freud constitui a operação pela qual o indivíduo humano se constitui, constrói a sua subjetividade, a sua autoimagem e os ideais de ego. A criança recebe dos pais e responsáveis os modelos de identificação com os quais vai se constituir, porém, estas identificações formam estruturas complexas, onde cada modelo, simultaneamente objeto de amor e rivalidade, vai determinar um grau de ambivalência entre amor e ódio que deverá ser elaborado ao longo do desenvolvimento da libido. Na presença de fatores favoráveis ao desenvolvimento saudável da psique, o indivíduo poderá formar um sistema relacional coerente e será capaz de lidar de forma razoavelmente harmônica com as exigências e forças conflitivas de seu psiquismo inconsciente. Frente às exigências impostas pelo ambiente social e cultural em que a pessoa vive, a empatia poderá, na melhor das hipóteses, ocupar um lugar privilegiado na organização da sua economia psíquica e colaborar no enfrentamento aos desafios das dinâmicas interpessoais, com maior equilíbrio e resiliência.

 

 

Catarina Rabello
Psicanalista membro efetivo do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae
contato@psicatarina.com

Os chistes e suas relações com o inconsciente em “The Shrink Next Door”

Por | Chistes, Cinema e psicanálise, Dinâmicas disfuncionais, Psicanálise | Nenhum Comentário

 

“The Shrink Next Dooor” é uma minissérie psicológica americana de oito episódios que estreou em outubro classificada como  drama e humor ácido. A história se desenvolve nos anos 80 e a temática envolve a relação entre um psiquiatra psicoterapeuta abusivo e um paciente rico que se submete a todo tipo de exploração, perda de limites e manipulação por parte de seu médico, em nome de uma promessa de cura de seus traumas infantis e da transformação de suas limitações e fragilidades emocionais em potencialidades concretas. Em uma relação absurdamente tóxica e bizarra,  Marty – o paciente de 40 anos encontra-se em uma relação terapêutica em que se identifica – pela primeira vez na vida – como sendo plenamente compreendido, aceito, querido e valorizado.

Marty envolve-se em uma rede de conflitos reatualizados de sua história em que se misturam as suas dificuldades de relacionamento, os impedimentos para sentir-se um homem capaz, as sequelas de traumas infantis, os problemas familiares, e se coloca como alvo perfeito para a prática abusiva do Dr. Isaac Herschkopf, que desde o primeiro contato da primeira consulta, inicia a construção de um vínculo terapêutico que se propõe, de maneira extremamente sedutora, intervir na autoimagem tão desvitalizada de seu paciente e promete-lhe sucesso em sua vida profissional e afetiva, extraindo de seus desejos mais primitivos de amor e aceitação, uma crença de que, a partir daquele encontro terapêutico, estaria inaugurando um processo de cura, transformação e sucesso.

Ao longo dos episódios desta minissérie o dramático torna-se cômico, mas apesar dos exageros de nonsense e absurdos da falta de ética do terapeuta, podemos traçar alguns caminhos para uma reflexão sobre o texto freudiano de 1908 “Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente”. Neste texto Freud descreve lindamente como o inconsciente produz um auto-engano nas percepções do sujeito e demonstra que as relações lógicas se manifestam também através dos chistes: onde falta uma relação lógica consciente, é ali que se esconde muito sutilmente uma lógica quase incipiente, quando analisamos um chiste. Freud aponta os chistes como uma espécie de revelação que é captada por processos inconscientes, onde a falta de lógica em um enunciado ou história chistosa, nos provoca uma espécie de prazer  que pode ser compartilhado sem palavras pela surpresa ou pelo riso, especialmente nas produções artísticas literárias e nas piadas do cotidiano. O personagem Marty aprisionado às suas fantasias e desejo profundo de sentir-se amado, ao invés de deparar-se com uma expansão de si mesmo como pessoa, cai numa rede em que se encolhe cada vez mais, se coloca numa relação de total dependência psicológica dos abusos de seu terapeuta, e perde completamente a sua autonomia. É quase inadmissível que ele não perceba tamanha falta de lógica na postura do terapeuta…o que estaria por detrás de tamanha cegueira?

A propósito, o termo “Shrink” evoca duas significações bem distintas. Como substantivo evoca o significado de terapeuta, psiquiatra, psicanalista, porém, utilizado em um contexto linguístico jocoso e pejorativo, segundo o Dicionário Collins. Como verbo, o termo shrink remete a toda significação associada a diminuir, reduzir, retroceder, regredir, encolher-se, encurtar-se, estreitar-se, enrugar-se, enfim, uma tendência a tornar-se menor. Este poderia ser o chiste desta história dramática. Ao passo que Marty se aprofunda na relação com o médico e torna-se mais próximo dele, mais reduz a sua capacidade crítica. Entretanto, Marty percebe-se indo em direção oposta, alcançando uma expansão nunca antes experimentada. Sem dúvida, o mecanismo de sedução do médico foi muito explorado. Porém, Freud nos alerta _ Somente quem está aberto para uma sedução é que se seduz por falsas promessas_  A força do desejo reprimido inconsciente de um sujeito psiquicamente frágil  e as múltiplas possibilidades de relação com alguém que capta com facilidade a sua carência e vulnerabilidade, constituem um terreno fértil para a construção de uma ilusão de desenvolvimento rápido e cura imediata das falhas e sintomas psicológicos em um tratamento psicoterápico. O mais dramático desta história, a meu ver, é ter sido inspirada em uma história real! Vemos que o mais absurdo e doentio das dinâmicas disfuncionais nas relações interpessoais, é factível e pode ocorrer na vida real, seja no contexto social, amoroso, familiar, seja no contexto terapêutico. Constitui-se um espaço interrelacional onde o ficcional se confunde com o real sem delinear um limite claro. O personagem Marty torna-se mais fragilizado e apresenta-se como que envolto por uma cortina, aprisionado por este outro que, por algum momento, é representado por ramos de uma erva daninha que cresce de maneira extremamente rápida, invadindo todo o espaço, como vemos em algumas imagens desta série.

O que diferencia um chiste genuíno de uma brincadeira? Segundo Freud, no chiste o raciocínio falho exalta indevidamente o valor da fantasia em detrimento da realidade; faz-se praticamente equivaler uma possibilidade a um evento real. Uma questão que o inconsciente não deveria perder de vista: O quão respeitosa e ética deveria ser uma relação que se propõe ser saudável, amorosa, de amizade, de intimidade e até mesmo terapêutica? Perguntar-se a si mesmo sobre esta questão pode ser o início de um olhar saudável para toda e qualquer relação interpessoal. O ser frágil não precisa necessariamente eliminar o seu olhar crítico frente à sedução e à fantasia de realização rápida de seu desejo mais profundo de amor. Entretanto, por questões do inconsciente, a entrada de um outro na vida de um sujeito pode desencadear a ação de mecanismos patológicos e intensificar os riscos de vulnerabilidade à violência psicológica. O propósito de expansão de si mesmo em um tratamento psicoterápico psicanalítico deve implicar primeiro que o sujeito possa deparar-se com suas próprias maneiras de enganar-se a si mesmo e a partir daí, o trabalho pode caminhar no sentido de ajudar o paciente a ampliar a sua capacidade de autonomia, tão desejada _mas tão temida ao mesmo tempo.

 

Catarina Rabello

Psicanalista membro efetivo do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae

Atos Falhos e a Psicopatologia da Vida Cotidiana

Por | Lembranças encobridoras, Parapraxias, Psicanalise, Psicopatologia, Transtornos de ansiedade, Transtornos psíquicos, Tratamento psicanalítico | Nenhum Comentário

No livro “A Psicopatologia da Vida Cotidiana”, publicado em 1901, Freud nos apresenta uma teorização sobre a importância dos fatos cotidianos que erramos “sem querer”…, que não compreendemos ou que nos surpreendem por uma aparente falta de lógica. Freud nos alerta sobre esquecimentos de palavras, lapsos de memória, lapsos de fala, de leitura e escrita, atos descuidados e erros sintomáticos, agrupando-os todos em uma categoria que denominou como psicopatologia da vida cotidiana.

Ao longo de todo o livro, como no caso do livro sobre sonhos e chistes, Freud nos apresenta um grande número de exemplos de jogos de palavras e suas extensas análises para demonstrar que o inconsciente se manifesta justamente onde aparecem os lapsos da linguagem, os esquecimentos e os atos falhos. Freud tinha uma predileção pelas parapraxias porque estas lhe permitiam estender as suas descobertas sobre o inconsciente dos pacientes com neurose, às pequenas falhas do cotidiano da vida mental normal.

Não somente as palavras esquecidas, mas aquelas que são erroneamente lembradas seguem a lei de funcionamento mental do deslocamento. O conteúdo psíquico simbólico reprimido inconsciente seria transportado de uma palavra para outra de tal forma que, ao nível da consciência, o sujeito daquele ato falho não teria acesso direto ao conteúdo inconsciente reprimido. Em grande quantidade de casos, quando um nome é esquecido e trocado por outro errôneo, este apresenta algum nível de semelhança, seja quanto à equivalência sonora, seja quanto a um significado simbólico, o que permitiu com que Freud associasse este fenômeno ao mecanismo semelhante observado nos sonhos. Freud nos revela: “Quase todas as vezes em que pude observar este fenômeno em mim mesmo, também fui capaz de explicá-lo no modo descrito acima, como se estivesse motivado pela repressão.” ( Cap. II).

No capítulo IV, Freud nos fala sobre as “lembranças encobridoras”, nome designado por ele neste estudo. Seriam aquelas lembranças que temos da infância como dados mnêmicos irrelevantes. Segundo o autor, há uma resistência que impede as lembranças realmente significativas de serem reproduzidas pela memória. Ao invés disso, as lembranças indiferentes são preservadas e podem ser reproduzidas, ao passarem pelo processo de deslocamento, em que há uma relação associativa entre um conteúdo próprio e um outro reprimido. Esta “falta de memória” teria como função proteger o psiquismo dos impactos causados por vivências mal elaboradas.

Segundo Freud, deveríamos dar mais importância ao que acontece na infância, período de estruturação do psiquismo, em que se organizam as pulsões, fase de intenso movimento psíquico e emocional, período de inúmeras transformações físicas e mentais, fenômenos sobre os quais se constroem  as noções do eu e da autoimagem. As experiências dolorosas e os eventos traumáticos da infância podem deixar marcas profundas no psiquismo, e apesar de não serem relembrados na sua integralidade, são capazes de provocar severos sintomas e psicopatologias importantes na vida adulta, pois permanecem vivos em estado de repressão inconsciente e são incompreensíveis à luz da razão e da lógica consciente.

 

 Você sabe distinguir uma flor de pessegueiro de uma flor de cerejeira? Explico sobre esta diferença na página Reflexões, publicada hoje neste site e no meu instagram: psicologacatarina.rabello 

Ser resiliente e sonhar

Por | Psicanálise e autoconhecimento, Psicanálise e resiliência, Resiliência, Resiliência e autoconhecimento, Subjetividade e autoconhecimento | Nenhum Comentário

Poema “O Sonho” (Clarice Lispector)

Sonhe com aquilo que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldade para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

 

A capacidade de ter um sonho e torná-lo realidade depende de muitos fatores, entre eles a resiliência para suportar frustrações e adversidades e a capacidade de transformá-lo em metas possíveis. Resiliência é um recurso psicológico que vem sendo estudado em duas linhas teóricas: a) Resiliência como um fator do desenvolvimento humano presente desde a infância, no estudo de crianças e grupos humanos que se adaptam a condições de vida muito adversas, e b) Resiliência como um conjunto de forças psicológicas e biológicas exigidas para atravessar com sucesso as diversas mudanças ao longo da vida.

Alguns teóricos chegam a se perguntar se a resiliência seria uma característica inata ou se seria o resultado da interação do indivíduo com o ambiente. Melillo em seu livro “Resiliência: Descobrindo as próprias fortalezas” (2005) afirma: ” A resiliência se produz em função de processos sociais e intrapsíquicos. Não se nasce resiliente, nem se adquire a resiliência “naturalmente” no desenvolvimento: depende de certas qualidades do processo interativo do sujeito com outros seres humanos, responsável pela construção do sistema psíquico humano.”
Isso explica porque o contato da criança com pessoas resilientes é primordial na construção da sua própria resiliência.

Segundo o artigo de José Alexander Ribeiro “Resiliência e seus desdobramentos” (2014), alguns atributos importantes são considerados os “pilares da resiliência”, tais como:

a) Introspecção: arte de se perguntar e se dar uma resposta honesta
b) Independência: capacidade de estabelecer limites entre si e o meio com problemas, capacidade de manter distância física e emocional sem cair no isolamento.
c) Criatividade: capacidade de criar ordem, beleza e finalidade, a partir do caos, desordem, ou escassez de recursos.
d) Empatia: capacidade de colocar-se no lugar do outro para colaborar com a reorganização de uma estrutura caótica.
e) Autoestima consistente: capacidade de não se desvitalizar frente à adversidade e acreditar em seus potenciais de enfrentamento e superação.

Vemos que o conceito de resiliência é abrangente, faz parte dos recursos psíquicos importantes para o desenvolvimento e amadurecimento psicológico, está associado a mecanismos psíquicos inconscientes de defesa e autopreservação, tem raízes na historicidade do indivíduo, e torna-se um grande aliado à saúde ao longo da vida, exigido especialmente em situações em que os eventos abalam os pilares da segurança e autoconfiança, quando os sonhos precisam ser reorientados e a esperança no futuro precisa ser recuperada e mantida.

Ref: A Resiliência e seus Desdobramentos: a Resiliência Familiar (2014) José Alexander Ribeiro Giffoni Filho – Salvador, BA, Brasil

 

 

Catarina Rabello
Psicanalista membro efetivo do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae 
Psicoterapia e psicanálise

Terapia de Casal e Família
Psicóloga CRP 30103/06
Contato São Paulo : (11) 971121432
contato@psicatarina.com

Interpretação de Sonhos e Autoconhecimento

Por | Interpretação de sonhos, Psicanálise, Psicanalista, Psicoterapia presencial e online, Resiliência, Resiliência e autoconhecimento, Sonhos, Subjetividade e autoconhecimento | Nenhum Comentário

 

Olhar de frente para si mesmo
requer ousadia e serenidade.

Os processos de psicoterapia são compreendidos como processos de autoconhecimento, entretanto, para quem nunca fez uma terapia, este conceito parece estranho e muito vago. O que seria o autoconhecimento na área da saúde mental? Segundo a abordagem psicanalítica, o autoconhecimento vai muito além de conhecer as próprias emoções e controlá-las quando necessário. Implica descobrir sob quais mecanismos inconscientes está regido o psiquismo, identificar os pontos de conflitos, elaborar as vivências dolorosas do passado e alcançar uma integração do eu mais harmônica. A partir de um trabalho rigoroso de escuta do discurso do paciente, o psicanalista pode ajudá-lo a trabalhar os conteúdos inconscientes que funcionam como motivadores para reações, sintomas e sentimentos que frequentemente não são compreendidos, ou mesmo, aceitos pelo próprio paciente.

Segundo a teoria freudiana as leis do inconsciente funcionam sob os mecanismos da condensação e do deslocamento sobre as estruturas linguísticas e lógicas que se sobrepõem à logica da consciência, gerando os sonhos, os sintomas, os chistes e os atos falhos, fazendo parte das ambivalências e contradições tão presentes no cotidiano. O inconsciente é uma instância psíquica que nos move frente ao complexo universo dos afetos, desejos, ideais e emoções, e que nos leva a reagir de maneira automática e repetitiva quando os conflitos internos e as vivências traumáticas não puderam ser bem elaborados. Independentemente do tempo em que estes registros de memória foram arquivados, o inconsciente os traz à tona na atualidade de maneira distorcida, de forma a esconder da consciência quaisquer vestígios, o que faz com que um sonho ou um sintoma tenham que ser analisados para serem compreendidos e interpretados.

O sonho foi para Freud o caminho, por excelência, da descoberta do inconsciente e seus mecanismos. O sonho, segundo o olhar psicanalítico permite um acesso a conteúdos reprimidos que aparecem nas imagens visuais e linguísticas cujas representações deslocadas e condensadas se configuram nas cenas do sonho como representações de desejos, conflitos e suas repressões. O sonho se realiza como uma verdadeira produção teatral, porém, com um valor tão intenso de experiência real, que aquilo que é vivido de uma maneira alucinatória no sonho, parece ter acontecido verdadeiramente quando acordamos no meio de um sonho. Tanto os personagens do sonho, como as situações vividas e alguns detalhes do sonho podem ter uma relação muito íntima com os conteúdos simbólicos reprimidos, o que permite serem interpretados analiticamente. Ou seja, o sonho, do ponto de vista psicanalítico, pode revelar muito do funcionamento inconsciente de quem sonha. Mesmo com as distorções próprias ao relato de um sonho devido às dificuldades de memorizá-lo fielmente, é possível analisá-lo e interpretá-lo, desde que o analista conheça a história do seu paciente. Isso nos alerta para os “decifradores” de sonhos, que não fazem nada além de especulações interpretativas, ao desconsiderarem a história do sujeito, o que leva a interpretações de sonhos padronizadas e descontextualizadas.

Olhar para si mesmo é um processo ousado?
Pode ser, na medida em que implica colocar em questão as certezas sobre si mesmo e reavaliar as próprias justificativas para o perfil emocional e comportamental. Todos nós construímos histórias que nos levam a justificar como sentimos, pensamos e agimos. A psicanálise pode facilitar ao paciente enxergar os pontos cegos na sua maneira de ser e se relacionar. Também pode contribuir na elaboração de traumas e vivências dolorosas passadas que se mantêm provocando ao longo do tempo tristezas, angústias e insatisfações que são desproporcionais às situações vividas na atualidade, por serem, na realidade, reatualizações de conflitos mal resolvidos do passado.

A iguana verde é um réptil dócil e extremamente tranquilo. É capaz de ficar horas na mesma posição contemplando o ambiente ao seu redor. Ela é mais verde quando jovem e vai mudando de cor conforme a idade até ficar totalmente acinzentada. A iguana pode ser lembrada como um bom exemplo de escuta analítica, aquela que permite ao paciente aprender também a se escutar melhor em direção ao amadurecimento e autoconhecimento. A análise pode permitir reconhecer os efeitos da história nas próprias fraquezas e fragilidades e, quem sabe, a partir deste processo, alcançar o amadurecimento tão desejado com um novo olhar para a vida, menos rancoroso, mais paciente, mais esperançoso, autoconfiante e com uma autoimagem mais positiva.

Um projeto de autoconhecimento através da análise exige uma escuta cuidadosa, serena e séria.
O aumento da capacidade de auto-observação e resiliência fazem parte das expectativas do processo
psicanalítico.

 

 

Catarina Rabello
Psicóloga Crp30103/06
Psicanalista membro efetivo do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae
Psicoterapia de abordagem psicanalítica a adultos, casais e famílias
Psicoterapia presencial e online

Consultório São Paulo:
(11) 971.121432
contato@psicatarina.com
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Luto e Reparação em “Kafka e a Boneca Viajante”

Por | Luto e Melancolia, Luto e Reparação, Psicanálise, Psicoterapia e Resiliência, Tratamento da depressão | Nenhum Comentário
O livro de Jordi Sierra i Fabra, “Kafka e a Boneca Viajante” escrito em 2006, nos remete às sensíveis maneiras de lidarmos com as perdas e as possibilidades de reparação através do amor, do afeto, da empatia e das possibilidades de criar novos caminhos para suportar a dor da perda.
O livro retrata um suposto encontro de Kafka em 1923, um ano antes de sua morte, com uma menina em um parque de Berlim. A menina encontrava-se chorando copiosamente porque havia perdido a sua boneca. Para consolá-la, Kafka teve uma idéia e pensou em uma forma de criar uma possibilidade da menina comunicar-se com a sua boneca. Kafka, então, ainda receoso se a menina iria aceitar a brincadeira, se apresentou como um carteiro de bonecas e lhe prometeu que traria as cartas escritas pela sua boneca de nome Brígida.
No dia seguinte, Kafka encontra-se com a menina e traz a sua primeira carta, com selo e envelope lacrado. Brígida havia viajado sem avisar, pois “as despedidas são muito tristes”. Estava conhecendo o mundo, sentindo-se muito feliz em poder viajar sozinha, por vários países, conhecendo culturas diferentes e lugares lindos. O escritor Kafka, agora como carteiro de bonecas e a garotinha Elsi tornaram-se amigos e empreenderam uma jornada de leituras diárias das cartas que Brígida enviara, durante três semanas seguidas, sempre lhe contando sobre as experiências novas que havia acabado de passar viajando pelo mundo.
As palavras de Brígida traziam um consolo à menina Elsi, especialmente porque se colocava como uma filha, que precisava conhecer o mundo, que sabia que iria deixar a sua mãe triste e chateada ao deixar o lar, mas estava muito feliz e muito grata por ter recebido todos os cuidados maternos de Elsi, e reconhecia o seu valor ainda mais agora, ao sentir-se capaz de ser independente e andar com as próprias pernas.
Este lindo conto de encontros marcados entre Kafka e a menina Elsi para a leitura das cartas da boneca Brígida pode nos remeter ao espaço terapêutico e potencial da análise, um espaço com data e hora marcada, um compromisso ético de entrega pessoal para a construção de um vínculo facilitador  de um processo de reparação, uma possibilidade de cura através de um processo muito sensível que, neste conto, ia permitindo aos poucos com que Elsi aceitasse a perda de sua boneca, pois passou a acreditar de certa forma que havia colaborado para o seu crescimento e sua independência. Elsi precisou deste tempo para elaborar a perda da sua tão querida boneca e, sem perceber, foi criando condições de transformar a sua dor em uma nova forma de amar. Como Kafka não poderia escrever cartas eternamente, pensou em uma forma de facilitar o desligamento entre Elsi e sua boneca Brígida.
Em sua última carta, Brígida conta a Elsi que estava muito feliz, pois havia se casado com Gustav, e que iria ter filhos com ele, teria crianças lindas como Elsi, e não poderia continuar a escrever-lhe cartas por enquanto em função de tantos afazeres. Mas retorna a dizer: “Eu não conseguiria tudo isso sem o seu amor”.
Todo o trabalho sensível e delicado de Kafka como o carteiro de bonecas, foi comprometer-se a ajudar a menina Elsi a elaborar a constatação de que ela não foi uma mãe que perdera a sua filha simplesmente por descuido, mas por uma necessidade própria de sua filha, que precisava crescer, e para isso, teve que empreender sozinha em suas viagens. Quanto dói uma perda, especialmente, se não tivemos tempo suficiente para a reparação dos danos ocorridos durante a convivência…tão difícil às vezes, entre seres humanos normais! E aquele que fica, pode eventualmente ver-se afundado em desespero e consumido por sentimentos de culpa, ansiedade, ódio de si mesmo e uma tristeza aterradora, como prenúncio de sintomas auto-destrutivos ou de uma depressão profunda.
Felizmente aparece Kafka e, com sua empatia, amadurecimento e afeto, consegue estabelecer com a garotinha um vínculo que podemos avaliar, verdadeiramente terapêutico, na condução de uma reparação indubitavelmente saudável. Ele pode escutar a tristeza profunda de sua amiguinha, pode traduzir os sentimentos de ambas as partes nas entrelinhas das cartas que escrevera, e pode acompanhar pacientemente os desdobramentos de um novo olhar de Elsi para a sua boneca e para si mesma, com a desconstrução gradativa de sua autoimagem negativa por ter acreditado que havia sido  uma mãe descuidada e negligente. Ao final, Kafka presenteia a linda Elsi com uma boneca de porcelana. Ela sabia, consciente ou inconscientemente, que iria redobrar os cuidados agora com sua nova boneca, afinal não desejava passar novamente por uma perda tão dolorida.
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Catarina Rabello
Psicanalista membro efetivo do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae
Psicóloga Crp 30103/06
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Consultório: São Paulo (SP)
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Terapia de Casais: Parceria e Conflito

Por | Ansiedade, Depressão, Dinâmicas disfuncionais, Psicanálise, Terapia de Casais Perdizes, Terapia de Casal, Terapia de casal online, Terapia de casal psicanalítica | Nenhum Comentário

A terapia de casais na abordagem psicanalítica envolve uma compreensão das dinâmicas interpessoais combinada com uma compreensão das dinâmicas intrapsíquicas individuais de cada um dos parceiros. Um relacionamento de casal é mais do que a soma de duas pessoas. É verdadeiramente, o resultante do que elas conseguem criar, integrando os aspectos conscientes e inconscientes em um misto de ideais e expectativas que vão se realizando ou simplesmente confirmando uma frustração e a reatualização de conflitos pessoais profundos. Freud identifica a raiz de conflitos inconscientes no momento da estruturação psíquica nos primeiros anos da infância. Partindo do princípio que os conflitos inconscientes poderão fazer parte ao longo de toda a vida do indivíduo, é na relação conjugal que temos um terreno fértil para o reaparecimento dos mesmos, reatualizados na convivência diária das dificuldades da parceria saudável, e muitas vezes, reconhecidos através do mecanismo da projeção, como sendo causados pelo parceiro. Se ambos apresentam muitas dificuldades psíquicas provenientes das falhas e carências emocionais de suas histórias familiares e dos traumas pessoais, a parceria pode tornar-se um imenso caldeirão de frustrações e mágoas sucessivas, ameaçadoras da saúde individual e da saúde do relacionamento. Podem surgir angústias insuportáveis, e o aparecimento de sintomas como depressão, ansiedade e doenças psicossomáticas.

A busca pela terapia de casais pode ser uma alternativa para um olhar mais profundo sobre as dinâmicas que o casal construiu e não estão sendo suficientemente boas para os dois. Se não tratadas e não analisadas, estas dinâmicas podem chegar a um estágio de insuficiência máxima, com o aparecimento de agressões verbais, e até mesmo, físicas, além de ameaças de abandono real e emocional. O terapeuta de casais com abordagem psicanalítica pode ajudar o casal a vencer algumas resistências e desenvolver um novo olhar para o relacionamento onde os parceiros possam reencontrar-se com os conflitos subjetivos que podem estar sendo perpetuados na teia das tensões conjugais. A terapia de casais, neste caso, busca reduzir o grau de disfuncionalidade da relação auxiliando na conscientização de mecanismos que se repetem e são inconscientes.

Toda a gama de conflitos interpessoais pode estar contaminada por conflitos subjetivos mal resolvidos da história pessoal de cada um. Neste estágio de percepção, a terapia da casal pode evoluir para uma terapia individual, onde cada parceiro com seu terapeuta distinto, possa se aprofundar nos modelos familiares internalizados que mobilizam tantas angústias e frustrações. O trabalho terapêutico, portanto, não finaliza na compreensão das dinâmicas interpessoais do casal. Pelo contrário, se inicia por aí, com uma conscientização sobre o que eles criaram como modelo de relacionamento, o que eles gostariam de criar, e qual a qualidade de dinâmica eles desejam construir após se depararem com seus limites, fragilidades e potencialidades, aspectos que precisam ser analisados e elaborados psiquicamente em uma análise individual.

 

 

 

Catarina Rabello
Psicoterapia de Casais       Crp 30103/06
Psicanalista membro efetivo do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae
Psicoterapia individual e de casais online

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