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setembro 2018

Psicanálise, interpretação e linguagem

Por | Atendimento psicanalítico, Linguagem, Linguagem e inconsciente, Psicanálise, Psicanálise e linguagem | Nenhum Comentário

 

Somos seres de linguagem, interpretantes e interpretados, e isto ocorre continuamente, mesmo em casos em que o silêncio prepondera. Analisar e compreender os caminhos que levam às angústias e sofrimentos humanos não se torna uma tarefa fácil de desenvolver, visto a complexidade dos atalhos e tramas simbólicas que envolvem o ser desde o seu nascimento até a morte.

Freud, Lacan e Saussure percorreram uma jornada teórica distinta ao mundo da linguagem humana para nos oferecer um contorno à análise e compreensão deste fenômeno tão essencial que nos confere a qualidade de humanos. A qualidade humana de criar signos e transformá-los em linguagens e culturas tão diversas, nos caracteriza como seres diferenciados no mundo animal. Ferdinand Saussure, o linguista e filósofo suíço, falecido em 22 de fevereiro de 1913, nos apresentou a tese básica da linguagem e a relação simbólica significante/significado, propondo que a cada símbolo pertencente a uma determinada língua, haveria uma relação entre a sua apresentação sonora ou visual (significante) e a sua significação (significado). De Saussure a Chomsky, teorias linguísticas a respeito da linguagem e seus efeitos na cultura, nas sociedades e na civilização, vêm sendo desenvolvidas a passos largos.

Dando um salto da linguística à psicanálise, encontramos em Sigmund Freud, a partir do final do século XIX uma teoria que tenta explicar os mecanismos do desenvolvimento e funcionamento psíquico a partir das experiências e vivências infantis, as quais são extremamente sensíveis e dependentes dos efeitos da linguagem do adulto sobre a mente infantil e como as suas marcas permanecem vivas no inconsciente e no psiquismo adulto. Freud considera não somente a linguagem comunicada por atos, gestos, sintomas e palavras, mas principalmente, aquela que subjaz ao conteúdo manifesto da linguagem, e se manifesta como efeitos do inconsciente, associada a diferentes intensidades e direcionamentos da energia psíquica. De Freud a Lacan temos um novo grande salto teórico, que nos permite integrar a linguística de Saussure à psicanálise de Freud, sendo proposta por Lacan uma verdadeira e impactante releitura teórica. Jacques Lacan, psicanalista e teórico francês, subverte a relação significante/significado, afirmando: “O inconsciente é estruturado como linguagem”, e como tal, se depara com uma sequência infindável de significantes que se ligam uns aos outros no percurso de uma história subjetiva, com seus conteúdos em redes complexas de possibilidades interpretativas, deixando na correlação com o significado apenas rastros e pistas indeléveis, cambiantes, sutis e pertencentes a uma lógica diferenciada da lógica convencional. Lacan nos impacta em sua afirmação, subvertendo a ordem cartesiana: “Penso onde não existo e existo onde não penso”. Ou seja, agora coloca a primazia do significante sobre o significado. O significado passa a ser, a partir de Lacan, apenas um efeito simbólico da cadeia de significantes infindáveis enredados e ramificados ao longo de toda uma vida.

Temos aqui um único e brevíssimo flash do que seria este labirinto em que nos encontramos ora perdidos, ora acreditando que encontramos uma saída: Somos seres apenas resultantes dos efeitos de linguagem que nos tornaram impregnados da imagem do outro ou existe algo que nos define em nossa singularidade? Como podemos nos situar entre tudo o que nos estrutura e tudo o que nos afeta no cotidiano, desde as questões mais íntimas até aquelas que nos envolvem no todo da coletividade? No espaço entre a percepção consciente e o que nos toca no mais profundo das emoções, entre a reflexão e a ação, vivemos em um labirinto de forças e influências, tanto provenientes do mundo interno psíquico como do mundo externo ao eu, todas permeadas por complexas redes de significação e valores. O que realmente deveríamos focar como prioridade humana e onde se encontra o significado que dá consistência ao viver e à existência humana?

Há que percorrer um labirinto pessoal, instintivo, racional, emocional, consciente, inconsciente, porém, insubstituível e definitivamente, intransferível em direção à construção de uma subjetividade que fundamente os requisitos para a auto-aceitação e a autovalorização, com a consistência psíquica que as vicissitudes da vida exigem de nós, seres de linguagem.

 

 

 

Catarina Rabello
Psicóloga Crp 30103/06
Psicanalista membro efetivo do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae

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